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Fotobiografia de Sonia Braga mostra beleza libertária
Raro uma personagem escondida na densidade das
palavras conseguir se realizar na imagem. O livro “Sonia em
Fotobiografia”, organizado por Augusto Lins, demonstra a correspondência
perfeita entre a ideia literária de Jorge Amado e as mulheres que Sonia Braga
encarnou na TV e no cinema. Amado tinha Braga como uma filha sua.
Em 1975, ela viveu Gabriela na novela homônima
escrita por Walcyr Carrasco e, um ano depois, interpretou a personagem-título
de “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, terceiro filme do cineasta Bruno
Barreto. Nas adaptações dos romances do escritor baiano, a atriz se tornou
símbolo sexual de sua geração e um dos rostos mais conhecidos da dramaturgia
brasileira.
Ao tempo presente, as fotos sensuais dispersas na
obra são menos resultado do olhar masculino que o avivamento de uma atitude
libertária da mulher. Braga aparece deslumbrante no ensaio que abre o livro,
concebido por Lew Parrella para uma edição da revista Status, publicada no
mesmo ano de 1975.
Bicho do mato, ela se incrusta na mata virgem, de
modo que o primitivismo emulado pela ambientação do ensaio transmite sua
indomável força feminina, Com um vestidinho de seda tomara que caia, ela
acaricia a flor que por acaso brotou de uma planta. Seu olhar é delicado, de
total fascínio pela natureza.
Riponga, Braga trazia no corpo os ideais de
“paz e amor”, correspondendo à beleza natural que se apresentava ao
fundo das imagens. Assim como a flor, ela parecia estar ali por acaso. Diante
das lentes, se fundiu à natureza e desenhou os contornos de sua forma natural.
Em outras fotos do ensaio, o cabelo desgrenhado e os seios à mostra confirmavam
sua vocação em incomodar os moralistas.
No fim dos anos 1960, Braga já havia atuado na
montagem brasileira do musical “Hair”, dirigido por Ademar Guerra. As
imagens de arquivo em preto e branco mostram que sua personalidade na vida real
se encaixava com a personagem da ficção. Nos anos de chumbo, interpretava no
palco uma das jovens que haviam saído de casa e decidido errar pelas estradas,
bradando o anticapitalismo.
A fotobiografia ilumina os primeiros anos da atriz,
ainda em Maringá, no interior paranaense. Nascida em 1950, Braga teve a
infância delimitada pela morte do pai, quando ela tinha oito anos. Morando em
São Paulo, a condição financeira de sua família mudou da noite para o dia, de
modo que, ainda menina, teve de fazer todas as tarefas domésticas, numa vida de
dona de casa. Já mocinha, teve sua iniciação artística nas aulas de piano e
balé.
Nos anos 1960, começou a trabalhar como modelo,
chamando a atenção de Ronnie Von. Numa foto de arquivo, ela aparece ao lado do
cantor, vestida com um terninho costurado pela mãe.
Em contraste com o delineador dos olhos, o rosto
tinha contornos angelicais e uma expressão atenta. Parecia um frame de um filme
da nouvelle vague. Com os amigos da Jovem Guarda, Braga conheceu o mundo
artístico e iniciou a carreira no curta-metragem “Atenção, Perigo!”,
do diretor José Rubens Siqueira.
Depois de conquistar o Brasil atuando em “A
Dama do Lotação”, dirigido em 1978 por Neville d'Almeida, Braga se tornou
exceção, construindo uma carreira nos Estados Unidos. Por lá, ganhou
notoriedade com a produção de “O Beijo da Mulher-Aranha”, filme de
Hector Babenco. Algumas imagens na fotobiografia iluminam seu cotidiano de
mulher americana, como o registro de 1992 do fotógrafo Alcir Navarro da Silva.
Contra a Estátua da Liberdade, Braga surge
empertigada como estátua -o único sinal de movimento está nas roupas e nos
cabelos esvoaçantes. Em 2001, ela chegou a participar do seriado “Sex and
the City”, que ainda causa furor. De volta ao Brasil, ela se destacou em
dois filmes de Kleber Mendonça Filho, “Aquarius”, de 2016, e
“Bacurau”, lançado três anos depois.
Louvando a beleza de Braga, Caetano Veloso
escreveu, em 1982, a canção “Trem das Cores”, imortalizando seus
“lábios cor de açaí”. Numa das fotos do livro, ela aparece de biquíni
ao lado de Leila Diniz. Assim como a amiga, Braga se tornou um dos pilares da
emancipação feminina no Brasil.
Em particular, deslocou o olhar do brasileiro para
outro tipo de beleza. O corpo mignon e os olhos pretos se tornaram mais
interessantes que as modelos americanas, loiras e de olhos azuis, que
estrelavam os filmes de Hollywood. Com Braga, o Brasil pôde tornar o olhar para
si.
SONIA EM FOTOBIOGRAFIA
Preço R$ 136 (256 págs.)
Editora Cepe e Sesc
Fonte: DOL – Diário Online – Portal de NotÍcias
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